Quantcast
Channel: Arquivos Jair Naves - Música Instantânea
Viewing all articles
Browse latest Browse all 43

Os Melhores Discos De 2022 (Até Agora)

$
0
0

É hora de relembrar alguns dos grandes lançamentos da música brasileira e internacional que marcaram o primeiro semestre de 2022. São 50 obras que vão do rock à produção eletrônica, da psicodelia ao R&B em uma seleção de trabalhos que passeia por diferentes países, estilos e propostas criativas. Do retorno de nomes importantes, como Kendrick Lamar, Alaíde Costa e Ratos de Porão, passando pela estreia de novatos como Bala Desejo, N.I.N.A e Mari Herzer, sobram grandes registros que sintetizam o que há de mais interessante no catálogo apresentado entre janeiro e junho deste ano.


Alaíde Costa
O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim (2022, Samba Rock)

Obra de sentimentos calcificados e memórias assentadas como sedimentos, O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim (2022, Samba Rock) contrasta a dureza dos temas com a maciez dada aos arranjos e vozes. Mais recente trabalho da cantora e compositora Alaíde Costa, de 86 anos, o registro que conta com produção dividida entre Emicida e Marcus Preto captura a atenção do ouvinte logo nos primeiros minutos, em Turmalina Negra, criação de Céu e Diogo Poças. São versos consumidos pelo peso da passagem do tempo e recordações empoeiradas, como um acumulo de tudo aquilo que a artista carioca experienciou em mais de seis décadas de carreira. “E eu serei quem sou / Pedra tão rara / Gema mineral / Segura, intacta / Ao assistir o vendaval das movimentações“, detalha em meio a orquestrações sublimes, sempre reducionistas. Uma vez imersa nesse cenário onde passado e presente se confundem a todo instante, Alaíde, sempre acompanhada pela direção musical de Pupillo Oliveira (Nação Zumbi, Gal Costa), se divide entre o olhar saudosista e a necessidade de seguir em frente. “Eu tentei explicar meu destino / De sempre fugir / Fui viver / Fui saber / O que o mundo queria de mim“, confessa na delicadaNenhuma Ilusão, samba-canção que funciona como uma síntese poética de tudo aquilo que a artista busca desenvolver ao longo da obra. É como um delicado exercício de exposição sentimental. Um misto de dor, resgate e busca por reconciliação. Leia o texto completo.

.

Amber Mark
Three Dimensions Deep (2022, PMR)

Filha de pai jamaicano e mãe alemã, Amber Mark nasceu no Tennessee, porém, passou grande parte da infância e adolescência viajando pelo mundo. Foram diferentes países, incluindo um longo período de habitação em um monastério em Darjeeling, na Índia, onde se envolveu fortemente com a cultura local. Desse permanente cruzamento de fronteiras e contato direto com outros povos veio a relação da artista com a música, sempre diversa, pluralidade que acaba se refletindo de forma bastante sensível em cada uma das canções que abastecem o primeiro trabalho da cantora Three Dimensions Deep (2022, PMR). Produto final de um lento processo de amadurecimento artístico que teve início há meia década, quando deu vida ao bem-sucedido 3:33am (2017), Mark faz do presente disco uma criativa combinação de ideias e referências que apontam para os mais variados campos da música. São canções que costuram passado e presente da produção negra, porém, de forma sempre particular, direcionamento explícito durante o lançamento do EP Conexão (2018), de onde vieram faixas como Love Me Right e a versão para Love Is Stronger Than Pride, de Sade, mas que ganha novo e delicado tratamento no fino repertório que embala a experiência do ouvinte até a composição de encerramento do trabalho, a atmosférica Event Horizon. Leia o texto completo.

.

Angel Olsen
Big Time (2022, Jagjaguwar)

Os meses que antecedem as gravações de Big Time (2022, Jagjaguwar), sexto e mais recente trabalho de estúdio de Angel Olsen, foram bastante turbulentos para a cantora e compositora norte-americana. Em um intervalo de poucos dias, a artista que havia acabado de se revelar como homossexual, foi surpreendida com a notícia do falecimento do próprio pai, que morreu durante o sono, aos 89 anos, e, semanas depois, com a partida da mãe, vítima de insuficiência cardíaca, aos 78 anos. Mesmo consumida pela dor, Olsen decidiu não adiar as sessões que já havia agendado e fez disso um melancólico estímulo para o material. Não por acaso, parte expressiva das canções que embalam o sucessor de All Mirrors (2019) giram em torno de temas como saudade, partida e separação. A diferença em relação a outros trabalhos revelados pela artista, como os também dolorosos Burn Your Fire for No Witness (2014) e My Woman (2016), está na forma como Olsen parece aceitar a própria condição. “Acho que é hora de acordar desta viagem em que estivemos … Obrigado pela carona / E todos os bons momentos“, canta logo nos primeiros minutos do disco, na já conhecida All The Good Times, composição que aponta a direção seguida ao longo do registro. Leia o texto completo.

.

Animal Collective
Time Skiffs (2022, Domino)

Se levarmos em consideração o vasto repertório apresentado pelo Animal Collective nos anos 2000, difícil não pensar na última década como uma fase pouco proveitosa para a banda de Baltimore. Passado o lançamento do divisivo Centipede Hz (2012), o quarteto formado por Avey Tare (David Portner), Panda Bear (Noah Lennox), Deakin (Josh Dibb) e Geologist (Brian Weitz) deu vida a uma série de outros registros menores ou mesmo esquecíveis quando próximos do material entregue nos cultuados Strawberry Jam (2007) e Merriweather Post Pavilion (2009). É como se os quatro integrantes estivessem muito mais interessados nos próprios trabalhos em carreira solo do que na relação como grupo, vide o aparecimento de obras bastante significativas, caso de Panda Bear Meets the Grim Reaper (2015) e Sleep Cycle (2016). Prazeroso perceber em Time Skiffs (2022, Domino), mais recente lançamento do quarteto, a passagem para uma obra tão provocativa quanto o material entregue na boa fase do Animal Collective. Primeiro trabalho de estúdio com os quatro integrantes reunidos desde Centipede Hz, o sucessor do mediano Painting With (2015) preserva a busca do grupo por uma sonoridade cada vez mais acessível, porém, pontuada por momentos de maior delírio que tensionam a experiência do ouvinte. Um misto de conforto permanente agitação criativa que acaba se refletindo em cada mínimo fragmento instrumental e poético do registro. Leia o texto completo.

.

Axel Boman
LUZ / Quest For Fire (2022, Studio Burnhus)

Perto de completar dez anos de lançamento do primeiro trabalho de estúdio da carreira, Family Vacation (2013), Axel Boman decidiu presentear o público com não apenas um, mas dois registros de inéditas: LUZ e Quest For Fire (2022, Studio Barnhus). Sequência ao material entregue pelo produtor sueco em Le New Life (2019), o repertório que se divide em dois blocos bastante específicos de canções evidencia não apenas a capacidade do artista em transitar por entre estilos de forma sempre provocativa, como estreita a relação com diferentes colaboradores, entre eles, o artista visual Robin Ekemark e o diretor de arte Erik Lavesson. Nesse sentido, mais do que um exercício puramente sonoro, Boman garante ao público uma obra feita para ser absorvida integralmente, da identidade visual aos textos que acompanham a edição física do material. Claro que isso não interfere no processo de escuta dos dois trabalhos. E isso fica bastante evidente no primeiro deles, o versátil LUZ. De classificação difícil, o registro aponta para a produção eletrônica, porém, estabelece no precioso cruzamento de informações, ritmos e quebras o estímulo para capturar e orientar a experiência do ouvinte até a delicada música de encerramento, Hold On, com vozes do próprio produtor. Leia o texto completo.

.

Bala Desejo
Sim Sim Sim (2022, Coala Records)

Estreia do Bala Desejo, coletivo formado por Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra, Sim Sim Sim (2022, Coala Records) é uma obra de limites geográficos, temperatura e sensações bem definidas. Iluminado pela luz dos trópicos, o registro que se divide em dois lados, como um antigo disco de vinil, estabelece na temática carnavalesca um precioso componente de aproximação entre as faixas, porém, está longe de parecer um trabalho hermético, talvez limitado a um som ou conceito específico. São canções que transitam por entre estilos de forma sempre ensolarada, transportando o ouvinte para diferentes cenários. Não por acaso, durante o processo de feitura da obra, o quarteto, que segue em seus respectivos projetos em carreira solo e trabalhos paralelos, contou com a colaboração dos roteiristas Bruno Jablonski e Maria Santos, co-responsáveis pela músicas incidentais e pequenos atravessamentos que concedem ao registro um caráter cênico. O resultado desse processo está na entrega de um repertório que mostra a travessia de uma Kombi conceitual, a Bala Desejo, levando o “recarnaval” proposto pelos quatro integrantes para diferentes cidades do país. São composições que tratam de chegadas e partidas, desejos e conexões de forma entusiasmada, como uma fuga do ambiente cinzento a que fomos confinados durante a pandemia. Leia o texto completo.

.

Baco Exu do Blues
QVVJFA? (2022, 999)

Poucas vezes antes Baco Exu do Blues pareceu tão exposto quanto nas canções de QVVJFA? (2022, 999). Sequência ao material entregue pelo rapper no caseiro Não Tem Bacanal na Quarentena (2020), registro produzido e lançado no início do período de isolamento social, o trabalho de essência agridoce se divide entre momentos de maior celebração e versos consumidos pela dor. São composições ancoradas em relacionamentos fracassados, romances perfumados pelo sexo, medos e versos sempre intimistas, conceito que tem sido explorado desde o introdutório Esú (2017), mas que ganha novo resultado à medida que o artista baiano utiliza das próprias angústias como um importante componente de diálogo com o ouvinte. “Usamos drogas pra esconder nossa dor / Diamantes nas correntes pra ofuscar nossa dor / Cravejamos o sorriso, não vão ver nossa dor / Pago dez mil nesse tênis, tô pisando na dor“, detalha em Autoestima, música que sintetiza a fragilidade emocional explícita durante toda a execução da obra. É como uma fuga do repertório entregue durante o lançamento de Bluesman (2018), trabalho de essência grandiosa em que amarra conquistas pessoais e exaltações ao povo preto de forma sempre provocativa. Instantes em que o rapper preserva traços significativos da própria identidade criativa, porém, desaba emocionalmente. Leia o texto completo.

.

Beach House
Once Twice Melody (2022, Sub Pop)

Existem artistas com obras inteiras que parecem incapazes de replicar aquilo que Victoria Legrand e Alex Scally apresentam em Once Twice Melody (2022, Sub Pop). Sequência ao material entregue no psicodélico 7 (2018), registro que contou com a produção de Sonic Boom (Panda Bear, MGMT), o novo álbum do Beach House encanta pelo intenso processo criativo e volume despejado pelos dois instrumentistas. São pouco mais de 80 minutos em que a dupla original de Baltimore, Maryland, confessa sentimentos e utiliza do maior refinamento dado às melodias como estímulo para a formação de um repertório que sintetiza de forma bastante expressiva tudo aquilo que a banda têm produzido em quase duas décadas de carreira. Entretanto, longe de parecer uma simples coletânea de ideias, o trabalho que, pela primeira vez, conta com produção assinada pelos próprios integrantes, abre passagem para um universo de novas possibilidades. Como indicado logo na autointitulada música de abertura do disco, Once Twice Melody cresce em meio a arranjos de cordas e inserções que potencializam o som produzido pela dupla. São incontáveis camadas instrumentais, melodias e vozes sobrepostas que garantem maior profundidade ao material, criando pequenas brechas para o experimentalismo de faixas como a eletrônica Masquerade e Over and Over. Leia o texto completo.

.

Big Thief
Dagon New Warm Mountain I Believe in You (2022, 4AD)

Não existem artistas hoje que deem conta de replicar o mesmo volume de entrega e qualidade explícita no material produzido por Adrianne Lenker. Em um intervalo de pouquíssimos anos, a cantora, compositora e produtora norte-americana não apenas deu vida a uma série de obras importantes em carreira solo, caso de Abysskiss (2018), Songs (2020) e Instrumentals (2020), como fez do Big Thief, grupo formado em parceria com Buck Meek, Max Oleartchik e James Krivchenia, um dos mais importantes da cena norte-americana, feito reforçado com a chegada de Dragon New Warm Mountain I Believe in You (2022, 4AD). Sequência ao material entregue em Two Hands (2019), o trabalho de 20 faixas e pouco mais de 80 minutos de duração se revela ao público como uma obra viva. Assim como havia testado em U.F.O.F. (2019), Lenker e seus parceiros de banda se concentram na produção de um repertório totalmente imersivo e orgânico, fazendo de cada mínimo fragmento que surge por entre as brechas do disco um precioso componente criativo. Da corda estridente, meio bamba, utilizada como elemento rítmico em Time Escaping, aos estalos com os dedos que atravessam o coro de vozes e flautas em No Reason, todo e qualquer ruído, mesmo o mais discreto, exerce uma função específica dentro do ambiente proposto pelo quarteto norte-americano. Leia o texto completo.

.

Black Country, New Road
Ants From Up There (2022, Ninja Tune)

Poucas coisas são tão satisfatórias quanto perceber o processo de transformação de um artista ou coletivo em um curtíssimo intervalo de tempo. E é exatamente isso que você encontra nas canções de Ants From Up There (2022, Ninja Tune). Sequência ao material entregue no ainda recente For the First Time (2021), revelado há poucos meses, o segundo álbum do Black Country, New Road encanta não somente pela capacidade da banda encabeçada por Isaac Wood em preservar tudo aquilo que foi apresentado no disco anterior, como em expandir estruturas e conceitos de forma ainda mais impactante. Da construção dos versos ao acabamento dado aos arranjos, tudo parece pensado para representar a potência do grupo. Entretanto, diferente de outros trabalhos regidos pelo mesmo caráter orquestral e criativa combinação de ideias, típica de um segundo disco, o álbum de dez faixas encanta justamente pelo equilíbrio alcançado pela banda que se completa pelos músicos Tyler Hyde (baixo), Lewis Evans (saxofone), Georgia Ellery (violino), May Kershaw (teclados), Charlie Wayne (bateria) e Luke Mark (guitarras). São momentos de calmaria e caos que garantem maior dinamismo ao registro, fazendo desse permanente cruzamento de informações e quebras ocasionais o estímulo para a formação de um material sempre exploratório. Leia o texto completo.

.

Bruno Morais
Poder Supremo (2022, Sony Music)

Cantor, compositor e produtor nascido na cidade de Londrina, região Norte do Paraná, Bruno Morais sempre estabeleceu no forte aspecto colaborativo um estimulo para a própria obra. E isso fica bastante evidente quando voltamos os ouvidos para o repertório de A Vontade Superstar (2009), último trabalho em carreira solo e um campo aberto ao diálogo com diferentes nomes da cena brasileira, como Marcelo Jeneci, Romulo Fróes e Guilherme Kastrup, com quem divide a produção do material. Entretanto, mesmo imerso nesse cenário marcado pelo uso de interferências externas, interessante perceber em Poder Supremo (2022, Sony Music), novo registro de inéditas, um exercício em que transcende os próprios limites. Primeiro trabalho de estúdio em mais de uma década, o registro que levou cinco anos até ser finalizado funciona como a passagem para um território mágico. Utilizando da colorida imagem de capa, uma criação do ilustrador paulistano Zansky, o músico paranaense convida o ouvinte a se perder em um cenário onde sonho e realidade se confundem a todo instante. São composições que utilizam de questões existenciais, experiências cósmicas e reflexões que partem das memórias compartilhadas pelo próprio artista, porém, completas pela interferência de nomes importantes como o coletivo Bixiga 70, as cantoras Juçara Marçal e Anelis Assumpção, a atriz Julia Lemmertz e os coprodutores Guilherme Kastrup e Maurício Fleury. Leia o texto completo.

.

Cate Le Bon
Pompeii (2022, Mexican Summer)

Mesmo de um jeito torto, Cate Le Bon conquistou um espaço que parece pertencer somente à ela. E isso se reflete não apenas nos trabalhos apresentados pela cantora e compositora galesa em carreira solo, mas na forma como a musicista tem influenciado outros artistas, entre eles, o Deerhunter, em Why Hasn’t Everything Already Disappeared? (2019), obra em que atua como produtora, e até arrancado elogios de veteranos como John Cale, com quem já dividiu os palcos, e Jeff Tweedy. “Cate Le Bon é uma das melhores fazendo música atualmente“, comentou o vocalista do Wilco ao recomendar o disco Mug Museum (2013). Essa força criativa e estranha interpretação da artista sobre a realidade fica ainda mais evidente nas canções de Pompeii (2022, Mexican Summer). Sequência ao material entregue em Reward (2019), importante capítulo na carreira da cantora, o novo álbum potencializa a capacidade da musicista em transportar o ouvinte para dentro de um território conceitualmente estranho, porém, inescapável. São faixas que remontam a música pop de forma sempre particular, estrutura que vai do uso fragmentado dos arranjos ao acabamento enigmático das vozes e versos que parecem dar voltas na cabeça do ouvinte. Leia o texto completo.

.

Charli XCX
Crash (2022, Asylum / Atlantic)

Embora tenha assinado com uma grande gravadora no início da década passada, Charli XCX nunca perdeu a própria identidade. E isso se reflete em toda a sequência de obras apresentadas pela artista inglesa. Do pop torto que embala o introdutórioTrue Romance (2013), passando pela formação do colaborativo Charli (2019), de onde vieram encontros com Sky Ferreira, Christine And The Queens e Troye Sivan, sobram momentos em que a cantora e compositora parecia testar os limites da música pop em estúdio, direcionamento que volta a se repetir no fino repertório de Crash (2022, Asylum / Atlantic). Último registro da série de cinco obras acordadas em contrato com a gravadora, o sucessor de How I’m Feeling Now (2020), produzido durante o período de isolamento social, concentra o que há de melhor no trabalho da artista. Do momento em que tem início, na bem executada faixa-título, até alcançar a derradeira Twice, cada fragmento do disco encanta pela criativa sobreposição de ideias que vai do pop da década de 1980 ao experimentalismo que tem sido incorporado pela cantora desde o amadurecimento em Vroom Vroom (2016) e POP 2 (2017), de onde vieram preciosidades como a insana Track 10 e Out of My Head. Leia o texto completo.

.

Charlotte Adigéry & Bolis Pupul
Topical Dancer (2022, Dewee / Because Music)

A mensagem de Charlotte Adigéry em Topical Dancer (2022, Deewee / Because Music) não poderia ser mais clara. Acompanhada pelo parceiro de produção Bolis Pupul, a artista de origem belga se concentra na montagem de um repertório marcado pelo forte discurso político, debates sobre xenofobia, sexismo e pós-colonialismo, porém, sempre pontuados pelo caráter dançante. São canções que atravessam as pistas e sustentam na construção dos versos um precioso exercício de formação da própria identidade artística, direcionamento que embala com naturalidade a experiência do ouvinte até a derradeira Thank You. E isso fica bem representado logo na sequência de abertura do disco. Passada a introdutória Bel Deewee, em que Adigéry busca se comunicar por meio de um interfone, Esperanto aponta a direção seguida pela dupla durante toda a execução do registro. São pouco mais de três minutos em que a cantora utiliza de uma série de conceitos falsamente progressistas de forma quase educacional, desmistificando termologias e trazendo provocações de forma bem-humorada. “Você é um agressor ou uma vítima? / Você carrega o fardo desse privilégio? / Você vê essa culpa como uma alavanca?“, questiona ao longo da canção. Leia o texto completo.

.

Criolo
Sobre Viviver (2022, Oloko Records)

Amor e ódio sempre foram encarados como componentes essenciais dentro da obra de Criolo, porém, nunca de maneira tão explícita quanto nas composições de Sobre Viver (2022, Oloko Records). Primeiro trabalho de estúdio do artista paulistano desde o flerte com o samba, em Espiral de Ilusão (2017), o novo álbum estabelece na contrastante combinação entre esses dois elementos um estímulo natural para a construção dos versos. Canções que partem das angústias e experiências pessoais vividas pelo rapper, como a recente morte da própria irmã, vítima de Covid-19, para mergulhar em um ambiente consumido pela desigualdade, repressão e momentos de maior desespero que caracterizam o atual cenário brasileiro. Com base nessa estrutura, Criolo vai da calmaria ao caos em um ziguezaguear de sensações que traz de volta o mesmo dinamismo expresso nas canções de Nó Na Orelha (2011) e Convoque Seu Buda (2014). Composições que mudam de direção a todo instante, sempre imprevisíveis, produto da boa relação em estúdio com André Laudz e Zé Gonzales, do Tropkillaz, responsáveis pela produção do material. A própria música de abertura do álbum, Diário do Kaos, com suas oscilações e interpretação potente do artista, funciona como uma boa representação de tudo aquilo que o rapper busca desenvolver ao longo da obra. Leia o texto completo.

.

Destroyer
Labyrinthitis (2022, Merge)

Sequência ao material entregue pelo Destroyer em Have We Met (2020), de onde vieram preciosidades como Cue Synthesizer e It Just Doesn’t Happen, Labyrinthitis (2022, Merge) funciona como uma criativa combinação de ideias que sintetiza a produção de Dan Bejar ao longo da última década. São canções que preservam o refinamento estético alcançado pelo cantor e compositor canadense em obras como Kaputt (2011) e Poison Season (2015), porém, partindo de uma abordagem essencialmente dinâmica, sempre pontuada pelo uso de referências eletrônicas aprimoradas pelo artista durante o lançamento de Ken (2017). A principal diferença em relação aos trabalhos que o antecedem, principalmente Have We Met, está na forma como Labyrinthitis encontra nas pistas um importante componente de inspiração. Com referências que vão de New Order à música produzida no final da década de 1970, Bejar convida o ouvinte a dançar. Exemplo disso fica bastante evidente em Eat The Wine, Drink The Bread. Uma das primeiras composições do disco a serem apresentadas ao público, a faixa captura a atenção do ouvinte pela intensa combinação entre batidas rápidas, camadas de sintetizadores e guitarras sempre marcadas pela fluidez dos elementos. Leia o texto completo.

.

Earl Sweatshirt
Sick! (2022, Tan Cressida / Warner)

Passado o lançamento de Some Rap Songs (2018) e entrega do complementar Feet of Clay (2019), Earl Sweatshirt passou a investir na produção de um novo trabalho de estúdio. Inicialmente batizado deThe People Could Fly, título inspirado em um livro homônimo de contos folclóricos de escravizados organizado pela pesquisadora Virginia Hamilton, o registro foi rapidamente abandonado com o avanço da pandemia de Covid-19 e consequente período de isolamento vivido nos últimos meses. “Depois que os bloqueios chegaram, as pessoas não podiam mais voar. Um sábio disse que a arte imita a vida“, comentou o artista. Com o projeto temporariamente abandonado, Sweatshirt, a exemplo de outros compositores recentes, mergulhou na formação de um repertório cada vez mais reflexivo, melancólico e ancorado em conflitos pessoais. O resultado desse processo está nas canções de Sick! (2022, Tan Cressida / Warner), trabalho que preserva uma série de elementos que tem sido incorporados pelo artista norte-americano nos últimos registros autorais, como a poesia introspectiva e ambientações jazzísticas, mas que se permite provar de novas possibilidades e temáticas que ampliam de forma bastante sensível o campo de atuação do rapper. Leia o texto completo.

.

Fernando Catatau
Fernando Catatau (2022, Independente)

A imagem refletida em meio a escombros que estampa a fotografia de capa do primeiro álbum em carreira solo de Fernando Catatau diz muito sobre a proposta do cantor e compositor cearense. Imerso em meio a fragmentos emocionais, entulhos e memórias empoeiradas, o músico, também vocalista e líder da banda Cidadão Instigado, busca se restabelecer sentimentalmente. São canções que parecem dançar pelo tempo, esbarrando em recordações melancólicas e personagens anuviados. Um misto de passado e presente que se confunde a todo instante, como um passeio pela mente atormentada do próprio do artista de Fortaleza. “A nostalgia criou cascas em meu corpo / E com o tempo elas caem no chão / Me machucando pouco a pouco“, detalha Catatau em Nostalgia. Localizada próxima ao encerramento do disco, a composição de acabamento vagaroso funciona como uma representação de tudo aquilo que o músico que já colaborou com nomes como Arnaldo Antunes, Céu e Los Hermanos busca desenvolver ao longo da obra. É como um permanente olhar para o passado, ainda que a necessidade de seguir em frente aponte a direção seguida durante toda a execução da obra. “Eu acho que virei de costas para mim / E me entreguei“, completa. Leia o texto completo.

.

Fontaines D.C.
Skinty Fia (2022, Independente)

Se você fizer o exercício de ouvir os três álbuns de inéditas do Fontaines D.C. em sequência, Dogrel (2019), A Hero’s Death (2020) e o recente Skinty Fia (2022, Partisan), irá perceber uma obra bastante consistente, ainda que cada registro entregue pela banda irlandesa aponte para uma direção completamente distinta. Em uma tentativa clara de testar os próprios limites dentro de estúdio, o grupo formado por Grian Chatten (voz), Conor Deegan III (baixo), Carlos O’Connell (guitarra), Conor Curley (guitarra) e Tom Coll (bateria) utiliza desse permanente tensionar das informações, temáticas e formas poucos usuais como estímulo natural para a montagem de um repertório que parece maior e mais instigante a cada novo movimento. Longe da crueza e evidente aceleração expressa no primeiro registro de inéditas, o quinteto de Dublin tem investido na produção de obras cada vez mais atmosféricas, soturnas e imersivas. E isso fica bastante evidente na mudança de rumo iniciada em A Hero’s Death e potencializada com a chegada do presente álbum. Do uso destacado das vozes ao tratamento dado aos arranjos, cada composição parece trabalhada em um medida própria de tempo, reforçando a densidade dos temas que se aprofundam em questões delicadas como a morte, relacionamentos fracassados, isolamento e a herança cultural dos integrantes. Leia o texto completo.

.

Gabriel Ventura
Tarde (2022, Balaclava Records)

Tem disco que quando bate, faz um estrago danado. Estreia de Gabriel Ventura em carreira solo, Tarde (2022, Balaclava Records) é uma dessas obras. Produto da parceria entre o ex-integrante da Ventre e o produtor Patrick Laplan (Los Hermanos, Duda Beat), o trabalho de nove faixas começa manso, quase misterioso, porém, sustenta na permanente colisão de formas instrumentais, ruídos e atravessamentos o estímulo para um registro que se revela maior a cada nova audição. São canções que parecem escapar da mente do artista carioca, como inquietações materializadas em músicas dotadas de linguagem universal. “O fracasso não me amedronta / Tenho uma tonelada de remorço em mim e vou me derramar aqui, vem ver“, anuncia logo nos primeiros minutos da obra, em O Teste, música que sintetiza de maneira eficiente tudo aquilo que Ventura busca desenvolver ao longo do trabalho. São fragmentos de vozes que se levantam como blocos imensos de concreto, estrutura que se completa pelo desenho torto das guitarras e uso calculado das batidas. É como uma extensão natural de tudo aquilo que o guitarrista havia testado com integrante da Ventre, trio carioca completo por Larissa Conforto e Hugo Noguchi, porém, partindo de uma abordagem totalmente imprevisível, proposta que se reflete até a faixa de encerramento do álbum, Vontade. Leia o texto completo.

.

Haru Nemuri
春火燎原 (Shunka Ryougen) (2022, TO3S Records)

Cantora, compositora e produtora de Yokohama, no Japão, Haru Nemuri conseguiu atrair a atenção do público e imprensa quando, há quatro anos, deu vida ao primeiro trabalho de estúdio da carreira, Haru to Shura (2018). Marcado pela criativa combinação de elementos que vai do rap ao hardcore, do pop ao uso de pequenas experimentações, o registro transita por entre estilos de forma sempre curiosa e imprevisível, indicativo da completa versatilidade da artista que busca ampliar ainda mais esse resultado com a chegada do segundo e mais recente álbum de inéditas, 春火燎原 (Shunka Ryougen) (2022, TO3S Records). Obra de contrastes, como tudo aquilo que Nemuri tem produzido desde os primeiros registros autorais, Shunka Ryougen – em português, algo como “o fogo de primavera iluminando o campo em chamas” –, oscila entre momentos de maior calmaria e faixas deliciosamente caóticas. É como se a artista testasse os próprios limites dentro de estúdio, direcionamento que acaba se refletindo na longa duração do material. São 21 faixas que se espalham em um intervalo de mais de 60 minutos. Canções que encolhem e crescem a todo instante, sempre de maneira inusitada, garantindo maior fluidez e evidente dinamismo ao material. Leia o texto completo.

.

Hatchie
Giving the World Away (2022, Secretly Canadian)

Harriette Pilbeam, assim como Soccer Mommy, beabadoobee e Snail Mail faz parte de uma geração de novas compositoras que encontrou no rock produzido entre o final dos anos 1990 e início da década de 2000 uma importante fonte de inspiração para a própria obra. São trabalhos sempre marcados pelo refinamento das vozes e melodias cantaroláveis que contrastam com a completa crueza das guitarras. Um misto de nostalgia e doce toque de renovação, estímulo para as composições de Giving the World Away (2022, Secretly Canadian), mais recente criação da cantora e compositora australiana como Hatchie. Sequência ao material entregue pela artista em Keepsake (2019), de onde vieram preciosidades como Without a Blush e Stay With Me, o novo disco preserva parte dos elementos apresentados há três anos, porém, evidencia o esforço de Pilbeam em provar de uma sonoridade cada vez mais acessível, flertando de maneira bastante particular com a música pop. Do uso cada vez mais destacado dos sintetizadores, passando pelo tratamento dado às guitarras e versos que parecem pensados para grudar na cabeça do ouvinte em uma primeira audição, poucas vezes antes o som produzido por Hatchie pareceu tão atrativo. Leia o texto completo.

.

Hikaru Utada
Bad Mode (2022, Epic)

Dona de um vasto repertório que se espalha pelas últimas três décadas, Hikaru Utada atraiu uma parcela ainda maior do público quando, em março do último ano, One Last Kiss alcançou o topo das paradas japonesas, vendeu mais de 200 mil cópias e conquistou outras posições de destaque ao redor do mundo. Lançada para promover a animação de Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time (2021), último filme da franquia Rebuild of Evangelion, projeto em que esteve envolvida desde 2007, quando apresentou Beautiful World, a canção produzida em parceria com A. G. Cook, uma das mentes por trás da PC Music, e Nariaki Obukuro, com quem havia colaborado anteriormente, era apenas o princípio de uma obra ainda maior. Em Bad Mode (2022, Epic), 11º trabalho de estúdio, Utada não apenas preserva parte dos elementos apresentados nas últimas composições, como potencializa esse resultado. Diferente do registro anterior, em que assumiu de forma solitária a produção e parte dos arranjos que abastecem o disco, com o presente álbum, a cantora e compositora que nasceu em Nova Iorque e cresceu no Japão se permite estreitar a relação com uma série de novos parceiros. São nomes como Skrillex e Poo Bear, com quem colaborou na já conhecida Face My Fears, parte da trilha sonora do jogo Kingdom Hearts III (2019), e principalmente o britânico Sam Shepherd, do Floating Points, com quem divide algumas das principais criações do material. Leia o texto completo.

.

Huerco S.
Plonk (2022, Incienso)

Os minutos iniciais de Plonk (2022, Incienso) são essenciais para entender o som produzido por Brian Leeds no terceiro e mais recente trabalho de estúdio como Huerco S. Sequência ao repertório entregue em For Those of You Who Have Never (And Also Those Who Have) (2016), material que garantiu ao produtor do Kansas uma posição de destaque em diferentes listas com os melhores discos de música ambiente, o novo álbum estabelece na completa fragmentação dos elementos a passagem para um território totalmente inóspito. São canções que parecem pensadas para tensionar a experiência do ouvinte, produto do confesso desejo em perverter tudo aquilo que foi revelado ao público durante o lançamento do registro anterior. Longe do rótulo de “música capitalista” que “não é intrusiva” e “não atrapalha, como se você ainda pudesse trabalhar no seu trabalho“, como comentou em entrevista ao Bandcamp, Leeds traz de volta parte da urgência explícita nas canções do introdutório Colonial Patterns (2013), porém, de forma essencialmente torta. São ambientações e costuras assíncronas que utilizam de uma abordagem irregular, tornando a experiência de ouvir o registro sempre imprevisível. É como um acumulo natural de tudo aquilo que o artista norte-americano tem produzido dentro e fora de estúdio em mais de uma década de carreira. Leia o texto completo.

.

Ibibio Sound Machine
Electricity (2022, Merge)

Perto de completar uma década de carreira, Eno Williams e seus parceiros de banda no Ibibio Sound Machine estão longe de parecer iniciantes, porém, tudo aquilo que o grupo apresenta em Electricity (2022), quarto e mais recente trabalho de estúdio, chega ao público como novidade. Sequência ao material entregue em Doko Mien (2019), obra que evidencia a busca por uma sonoridade cada vez mais acessível, o registro marcado pela urgência dos elementos e criativo cruzamento de ritmos encanta pelo permanente diálogo com a cultura africana, mas acaba chamando a atenção pela abordagem totalmente dançante. Com os dois pés nas pistas, Electricity captura a atenção do ouvinte logo nos minutos iniciais, na intensa Protection From Evil. São pouco mais de quatro minutos em que incontáveis camadas de sintetizadores se entrelaçam em meio a batidas rápidas, estrutura que se completa pela linha de baixo destacada e guitarras que parecem dançar a cada novo movimento. Parte dessa mudança de sonoridade vem da interferência direta de membros do Hot Chip durante a produção do trabalho. Do uso das vozes ao tratamento dado aos arranjos, tudo parece pensado de forma colaborativa para potencializar e ampliar os limites da obra. Leia o texto completo.

.

Jair Naves
Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo (2022, Independente)

A raiva sempre foi encarada como um componente substancial na obra de Jair Naves. Está na crueza dos versos que marcam as criações do cantor e compositor mineiro em carreira solo ou mesmo nas canções do artista como principal articulador da Ludovic, vide o repertório entregue em álbuns como Servil (2004) e Idioma Morto (2006). Porém, ao mergulhar nas composições de Ofuscante a Beleza Que Eu Vejo (2022, Independente), quarto e mais recente registro autoral do músico, essa mesma raiva, tão presente, assume novos contornos, cresce de maneira descomunal e se projeta em uma abordagem claramente direcionada. “Deixa a televisão no mudo / Eu não suporto a voz desse demente / Deixa a televisão no mudo / Quem fez desse cretino um presidente?“, dispara em De Arder, terceira faixa do disco e uma representação clara de parte dos temas que busca desenvolver ao longo da obra. São canções que direcionam seu ódio para o nocivo governo de Jair Bolsonaro, discutem o avanço da extrema-direita no país e crescem como um acumulo natural das inquietações vividas nos últimos anos por qualquer indivíduo com um mínimo de lucidez. Instantes em que o Naves vai da busca por compreensão sobre aqueles que ajudaram a eleger Bolsonaro, em Morre Um Apaziguador/Nasce Um Saqueador (“Mostre algum arrependimento / Qualquer sinal de desilusão“) à raiva contra os que hoje tentam se desvincular, ponto de partida para a construção dos versos de O Dialeto (“Nem tenta tirar o corpo fora agora, você e o seus / Nem tenta tirar o corpo fora“). Leia o texto completo.

.

Jenny Hval
Classic Objects (2022, 4AD)

Por mais acessível que possa parecer o trabalho de Jenny Hval, nunca espere pelo óbvio da cantora e compositora norueguesa. E isso fica bastante evidente nas canções de Classic Objects (2022, 4AD). Sequência ao material entregue pela artista em Menneskekollektivet (2021), obra que contou com a colaboração do multi-instrumentista Håvard Volden, o registro de oito faixas utiliza de uma abordagem menos complexa quando próximo do provocativo Blood Bitch (2016), mas que em nenhum momento deixa de tensionar a experiência do ouvinte, convidado a se perder em um labirinto de formas pouco usuais. Concebido durante um dos períodos mas críticos da pandemia de Covid-19, com Hval isolada dentro da própria casa, Classic Objects parte das inquietações vividas pela compositora para explorar diferentes aspectos da nossa sociedade. “Em 2020, como todo mundo, eu era apenas uma pessoa privada. Nenhum artista foi autorizado a se apresentar. Fui reduzida a ‘apenas eu’“, comentou no texto de apresentação do material. Vem justamente desse esforço constante em ressignificar a própria existência e rever conceitos há muito estabelecidos o estímulo para algumas das principais composições que abastecem o registro. Leia o texto completo.

.

Kendrick Lamar
Mr. Morale & the Big Steppers (2022, Independente)

Mr. Morale & the Big Steppers (2022, pgLang / Top Dawg / Aftermath / Interscope) não é apenas um disco. É uma verdadeira jornada pela mente, traumas, medos e inquietações de Kendrick Lamar. Do momento em que tem início, na voz do cantor Sam Dew (“Espero que você encontre alguma paz de espírito nesta vida“), cada fragmento do disco se projeta de forma expositiva e dolorosa. São canções que tratam sobre desenvolvimento pessoal, porém, consumidas por anos de repressão. É como se o rapper, agora pai de dois filhos, buscasse exorcizar os próprios demônios de forma a pavimentar um caminho seguro para o futuro. Conceitualmente dividido em dois blocos específicos de nove canções, totalizando 18 faixas e mais de 70 minutos de duração, o sucessor de DAMN (2017) sustenta na porção inicial a passagem para o lado mais frenético e atormentado da obra. Do ritmo imposto à introdutória United in Grief, com suas batidas e pianos entrelaçados, passando construção de músicas como N95 e Worldwide Steppers, tudo parece pensado para sufocar o ouvinte. São rimas tratadas de maneira urgente e movimentos rápidos que funcionam como uma representação do turbulento fluxo de pensamento que parece consumir a mente do próprio artista. Leia o texto completo.

.

Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz
Moacir de Todos Os Santos (2022, Mamba Rec)

De Gilberto Gil à Ivete Sangalo, de Larissa Luz a Zé Manoel, não foram poucos os artistas com quem o compositor e arranjador baiano Letieres Leite(1959 – 2021) estreitou relações e contribuiu diretamente em um intervalo de mais de quatro décadas de carreira. Somente no último ano, por exemplo, o músico soteropolitano esteve envolvido em duas importantes obras da cena brasileira. De um lado, o aguardado retorno de Caetano Veloso, com Meu Coco (2021), no outro, a sofisticação de Noturno (2021), último álbum de estúdio de Maria Bethânia, com quem já havia colaborado anteriormente em diferentes espetáculos. Morto em outubro do último ano, em decorrência de uma insuficiência respiratória causada pela Covid-19, o arranjador passou as semanas que antecedem a própria morte imerso na finalização de uma de suas maiores criações, Moacir de Todos os Santos (2022, Rocinante). Mais uma vez acompanhado pela Orkestra Rumpilezz, banda criada pelo músico em 2006, Leite adapta sete das dez composições que integram o cultuado Coisas (1965), obra-prima do também arranjador, compositor, maestro e multi-instrumentista pernambucano Moacir Santos, uma das principais referências criativas do artista soteropolitano. Leia o texto completo.

.

Luneta Mágica
No Paiz das Amazonas (2022, Bananada)

Selva e concreto, calmaria e caos, sobriedade e delírio. Os contrastes estão por toda parte nas canções de No Paiz das Amazonas (2022, Bananada). Terceiro e mais recente trabalho de estúdio do grupo manauara Luneta Mágica, o sucessor de No Meu Peito (2015) não apenas perverte o pop rock acessível do registro que o antecede, como amplia consideravelmente a essência psicodélica que tem sido explorada desde o introdutório Amanhã Vai Ser o Melhor Dia Da Sua Vida (2012). São composições nascidas da sobreposição de ideias, diferentes ritmos e referências, conceito que dialoga com a própria imagem de capa do disco. De essência conceitual, o trabalho que discute a relação entre a metrópole manauara e a floresta no entorno faz de cada composição um objeto precioso, a ser desvendado pelo ouvinte. E isso fica bastante evidente logo na introdutória faixa-título. São pouco mais de seis minutos em que a banda formada por Erick Omena, Eron Oliveira, Daniel Freire, Pablo Araújo e Victor Neves parte de um trecho orquestrado de Canto de Amor e Paz, do compositor amazonense Cláudio Santoro, para mergulhar em um ambiente de emanações psicodélicas e momentos de maior experimentação, estímulo para o restante do álbum. Leia o texto completo.

.

Mari Herzer
Cheia (2022, Mamba Rec)

Entre ruídos, quebras e atravessamentos totalmente imprevisíveis, Mari Herzer convida o ouvinte a se perder nas canções de Cheia (2022, Mamba Rec). Verdadeiro labirinto sensorial, o trabalho funciona como um passeio torto pelas ruas acinzentadas da cidade de São Paulo. São texturas sintéticas e sobreposições sempre inexatas, conceito que dialoga com a própria imagem de capa do disco, uma criação de Carlos Issa e Estúdio Margem, mas que ganha forma e cresce a cada novo movimento da artista que também atua como integrante da Teto Preto e costuma se apresentar nas sempre disputadas edições da Mamba Negra. Entretanto, muito antes de arrastar o ouvinte para dentro desse ambiente caótico, Herzer, que assina a composição, produção e mixagem do registro, abre o álbum de maneira misteriosa. Em um intervalo de quatro minutos, Eros apresenta parte dos elementos que serão incorporados pela artista ao longo da obra, como as texturas submersas e costuras pouco usuais, porém, de forma deliciosamente contida, quase contemplativa. Um lento desvendar de informações, estrutura que assume novos rumos com a chegada da crescente Prólogo, parceria com M é d i o, e um precioso exercício de transição para o restante do disco. Leia o texto completo.

.

Mitski
Laurel Hell (2022, Dead Oceans)

Havia uma sensação de dever cumprido quando Mitski deu vida ao elogiadíssimo Be The Cowboy (2018). Depois de uma sequência da álbuns em busca da própria identidade, caso de Lush (2012) e Retired from Sad, New Career in Business (2013), e do início da parceria com o co-produtor Patrick Hyland, que resultou em trabalhos como Bury Me at Makeout Creek (2014) e o maduro Puberty 2 (2016), a japonesa naturalizada estadunidense parecia pronta para enfrentar os próprios conflitos e se assumir como protagonista em uma obra marcada pela ressignificação de sentimentos e temas historicamente associados a homens brancos. Não por acaso, passado o intenso processo de divulgação do trabalho, que contou com uma série de apresentações lotadas, a artista desativou os próprios canais oficiais e desapareceu. “É hora de ser humana novamente. E ter um lugar para morar”, escreveu em um comunicado divulgado à imprensa. Afinal, que direção seguir após o lançamento de uma obra tão significativa? A resposta para essa pergunta talvez seja encontrada nadas canções de Laurel Hell (2021, Dead Oceans), primeiro trabalho de estúdio de Mitski em quatro anos e princípio de uma nova identidade artística que vai da construção dos arranjos aos versos. Leia o texto completo.

.

MJ Lenderman
Boat Songs (2022, Dear Life)

Cantor e compositor original de Asheville, na Carolina do Norte, MJ Lenderman passou os últimos anos atuando como integrante do Wedensday, grupo comandado por Karly Hartzman e um dos nomes mais promissores da cena norte-americana. Entretanto, é nas horas vagas e nas criações em carreira solo que o guitarrista realmente diz a que veio. Do autointitulado registro de estreia, passando pelo ainda recente Ghost of Your Guitar Solo (2021), sobram momentos em que o músico brinca com as possibilidades em estúdio, direcionamento que ganha ainda mais destaque com as canções de Boat Songs (2022, Dear Life). Terceiro e mais recente trabalho de estúdio do músico estadunidense, o registro de dez faixas concentra o que há de melhor e mais característico no som produzido por Lenderman. Estão lá as guitarras sempre carregadas de efeitos, a poesia alucinante que faz lembrar de nomes como Stephen Malkmus e o fino toque de descompromisso que tinge com incerteza a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. Canções que vão do cancioneiro norte-americano ao rock de garagem, como um produto das influências e temas que tem sido incorporados pelo artista desde as primeiras criações em carreira solo. Leia o texto completo.

.

Nilüfer Yanya
Painless (2022, ATO)

Em se tratando dos próprios sentimentos, Nilüfer Yanya sempre foi bastante direta. Livre de possíveis metáforas e curvas poéticas, cada verso tecido pela cantora e compositora inglesa se revela ao público em uma abordagem essencialmente crua e confessional. “Lembro de tudo / Então eu não posso pegar nada de volta“, detalha em Midnight Sun, música que não apenas sintetiza a honestidade e firmeza no processo de criação da artista de Londres, com condensa de maneira expressiva parte dos temas incorporados em cada mínimo fragmento de Painless (2022, ATO), segundo e mais recente trabalho de estúdio da musicista. Sequência ao material entregue no conceitual Miss Universe (2019), obra que funciona como uma central de atendimento em uma clínica fictícia para o tratamento de doenças mentais, o registro produzido durante o período de isolamento social reflete o que existe de mais doloroso e honesto na obra de Yanya. São canções consumidas pela permanente sensação de abandono vivido pela artista, como um produto natural das experiências acumuladas desde o início da pandemia. “A tristeza te pega até os ossos?“, questiona na introdutória The Dealer, música que aponta a direção seguida até a faixa de encerramento, Anotherlife. Leia o texto completo.

.

N.I.N.A
Pele (2022, Independente)

Mesmo em um curto intervalo de atuação, Anna Ruth Ferreira, a N.I.N.A, acabou se transformando em um dos nomes mais importantes do grime/drill produzido no Brasil. Da boa repercussão em torno das próprias composições, caso de A Bruta, A Braba, A Forte, música incorporada como assinatura pela compositora fluminense, passando pelo diálogo com diferentes colaboradores, como SD9, no excelente 40°.40 (2020), sobram momentos em que a rapper assume uma posição de destaque em relação a outros nomes do meio. Talvez por isso, seja tão estranho pensar em Pele (2022) como o primeiro trabalho de estúdio da artista. Na contramão de outros artistas do gênero, ainda em busca da própria identidade, N.I.N.A se apresenta ao público com uma obra madura e conceitualmente homogênea. São canções que orbitam um universo bastante particular, fazendo das emoções e evidente vulnerabilidade expressa nos versos um importante componente de aproximação entre as faixas. “Tentando não brigar comigo / Entender o perigo / Do peso que é as magoas que eu carrego / E hoje fazem meu abrigo“, reflete logo nos minutos iniciais, emAnna, música que sintetiza parte dos sentimentos explorados pela rapper durante toda a execução do trabalho. Leia o texto completo.

.

Otto
Canicule Sauvage (2022, Condom Black)

É sempre muito difícil prever qual será a direção seguida por Otto a cada novo trabalho de estúdio. E isso é ótimo. Do diálogo com a produção eletrônica, no introdutório Samba pra Burro (1998), passando pelo romantismo empoeirado que toma conta de Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009) à inusitada costura de ritmos em The Moon 1111 (2012), sobram momentos em que o cantor, compositor e percussionista pernambucano parece testar os próprios limites. Canções que vão de um canto a outro sem necessariamente perder a consistência, como um passeio torto pela mente inquieta do próprio artista. Curioso perceber em Canicule Sauvage (2022, Condom Black), sétimo e mais recente trabalho de estúdio, um álbum que resgata parte desses elementos incorporados pelo artista em mais de três décadas de carreira. Acompanhado pelo produtor Apollo Nove, com quem colaborou nos primeiros registros autorais, Otto costura passado e presente da própria obra sem fazer disso o estímulo para um exercício revisionista ou minimamente nostálgico. Composições que transitam por entre estilos, ritmos e colaboradores de forma sempre atenta, como uma combinação do que há de melhor nas criações do compositor pernambucano. Leia o texto completo.

.

Perfume Genius
Ugly Season (2022, Matador)

Ugly Season (2022, Matador) talvez seja o trabalho mais complexo já apresentado por Perfume Genius. Originalmente pensado por Mike Hadreas como parte do espetáculo The Sun Still Burns Here, criação da coreografa Kate Wallich e que contou com a participação do músico, o registro teve duas de suas faixas reveladas ao público há três anos, Eye In The WallPop Song, porém, acabou deixado de lado para que Hadreas pudesse se dedicar ao quinto álbum de estúdio carreira, Set My Heart on Fire Immediately (2020). Foi somente durante o período de isolamento social que o artista, mais uma vez acompanhado pelo produtor Blake Mills (Fiona Apple, Laura Marling), regressou ao projeto. E o resultado final surpreende. Diferente de tudo aquilo que Perfume Genius já havia testado anteriormente, Ugly Season é um trabalho muito mais orientado à construção dos arranjos do que necessariamente ao lirismo confessional que tanto caracteriza as criações do artista. E isso fica bastante evidente logo na música de abertura do disco, Just a Room. Soterrada em meio a orquestrações densas, a voz de Headres se projeta como um respiro sufocado. “Nenhum padrão / Sem flor / Onde estou te levando / Plano e estático / Apenas um quarto“, detalha o compositor, tateando poeticamente as paredes do estranho território criativo que se apresenta ao ouvinte. Leia o texto completo.

.

Ratos de Porão
Necropolítica (2022, Independente)

A última vez que os integrantes da Ratos de Porão entraram em estúdio para dar vida a um novo registro de inéditas, Século Sinistro (2014), o cenário político brasileiro viva um período de forte instabilidade. Às vésperas da reeleição de Dilma Rousseff, um suposto sentimento de indignação tomava conta das ruas e atiçava a população com suas camisas da CBF. Ao mesmo tempo em que estimulava o ouvinte a avançar (“Grite com ódio e vai“), o vocalista João Gordo alertava: “Não seja subjugado / Por essa corja fascista“. Interessante perceber em Necropolítica (2022, Independente), primeiro trabalho da banda paulistana em oito anos, uma extensão natural dos acontecimentos que mudaram os rumos do país há quase uma década. Inaugurado pelo som falho de uma respiração dependente de aparelhos, o trabalho que ainda conta com a presença dos músicos Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria),funciona como um registro quase documental da caótica situação política e social do Brasil. Composições que partem do período pandêmico para discutir o avanço da extrema direita no país, o aumento da desigualdade e o nefasto governo exercido pelo presidente Jair Bolsonaro. “Genocida depravado / Ditador que come gente / Um perigo eminente / Mentiroso imoral“, despeja o vocalista enquanto arma o terreno para o refrão que, mais uma vez, funciona como um alerta para tudo aquilo que o artista havia apontado anos antes, nas canções de Século Sinistro. Leia o texto completo.

.

Ravyn Lenae
Hypnos (2022, Atlantic)

Há quatro anos, quando Ravyn Lenae deu vida ao último registro de inéditas, Crush EP (2018),o R&B vivia um de seus períodos mais férteis. Enquanto SZA ganhava o mundo com o ainda recente Ctrl (2017), nomes como Teyana Taylor, Jorja Smith, Tierra Whack e Kali Uchis brilhavam com uma seleção de outros lançamentos que proporcionaram ainda mais destaque ao estilo. Porém, na contramão dessas mesmas artistas, que seguiram em uma sequência de grandes registros e outras parcerias esporádicas, Lenae se manteve bastante discreta. Salve raras aparições, como em Rewind, produzida especialmente para a trilha sonora da quarta temporada de Inscure, pouco foi apresentado pela cantora e compositora de Chicago. A justificativa para tamanha discrição e afastamento do público? “Eu queria me desafiar vocalmente e desafiar minha caneta. Esse era meu objetivo principal. Acho que é fácil para mim cair nessa zona de conforto que é boa“, disse em entrevista ao The Recording Academy. Vem justamente desse esforço em buscar por novas possibilidades e testar os próprios limites o estímulo para o primeiro álbum de estúdio da artista estadunidense, o aguardado Hypnos (2022, Atlantic). São canções que preservam tudo aquilo que a cantora tem produzido desde os primeiros registros autorais, porém, de forma sempre imprevisível. Leia o texto completo.

.

Rosalía
Motomami (2022, Columbia)

Passado o lançamento de El Mal Querer (2018), Rosalía simplesmente não descansou. Aproveitando da atenção recebida pelo público e imprensa, a cantora e compositora espanhola mergulhou em uma sequência de colaborações com diferentes nomes da música pop. Da parceria com J Balvin, em Con Altura, passando pelo encontro com Travis Scott, Arca, Ozuna, James Blake, Bad Bunny, TokischaBillie Eilish, sobram momentos em que a artista parecia testar os próprios limites em estúdio. Isso sem mencionar a frente de outras composições assumidas de forma independente, caso de Fucking Money Man, A Palé, Aute Cuture, Juro Que e demais registros sempre marcados pelo evidente refinamento estético e entrega. Sobrevive justamente nessa insana combinação de ideias, encontros e colaborações com diferentes artistas o estímulo para o terceiro trabalho de estúdio da cantora, Motomami (2022, Columbia). Nascido de um período de forte instabilidade emocional e bloqueio criativo que resultou na mudança para o apartamento de Frank Ocean, em Nova Iorque, onde finalizou parte das canções, o sucessor de El Mal Querer encanta pela capacidade de Rosalía em perverter a homogeneidade proposta no disco anterior. São composições marcadas pela fragmentação dos elementos e uso da aceleração como importante componente criativo. Leia o texto completo.

.

Sentidor
Sonho Das Flores (2022, La Petite Chambre)

Um movimento tímido do violão, o canto dos pássaros e a lenta sobreposição de ruídos, texturas e formas abstratas. Em um intervalo de poucos minutos, João Carvalho não apenas transporta o ouvinte para dentro do cenário de emanações oníricas de Sonho das Flores (2022, La Petite Chambre), novo registro de inéditas sob o título de Sentidor, como aponta a direção seguida até o fechamento da obra. São delicadas camadas instrumentais, costuras e reprocessamentos digitais que preservam parte dos conceitos apresentados em Breviário dos Pássaros (2019), porém, partindo de uma abordagem ainda mais sensível e detalhista. Exemplo disso fica bastante evidente na segunda composição do disco, Árvore dos Pássaros. São pouco mais de cinco minutos em que o produtor de Belo Horizonte convida o ouvinte a se perder em meio a ambientações etéreas e reverberações cósmicas que mudam de direção a todo instante, sempre de maneira acolhedora. Um lento, porém, permanente desvendar de ideias e sensações. É como uma fuga do material entregue nos antecessores Am_Par_Sis (2017) e Terracorponuvem (2017), em que parecia investir na produção de um repertório denso e sufocante, por vezes marcado pelo uso de componente ritualísticos. Leia o texto completo.

.

Sharon Van Etten
We’ve Been Going About This All Wrong (2022, Jagjaguwar)

Nos meses que antecedem o avanço da pandemia de Covid-19 e o período de isolamento social, Sharon Van Etten, que há mais de uma década vivia na cidade de Nova Iorque, decidiu mudar com o parceiro, o músico e empresário Zeke Hutchins, e o filho pequeno para um nova residência na região de Los Angeles. Em casa, longe dos amigos e demais familiares, a cantora que havia acabado de lançar de lançar o delicado Remind Me Tomorrow (2019), de onde vieram faixas como Seventeen e Comeback Kid, mergulhou em um doloroso processo de criação e reflexão que em que passou a revisitar memórias e traumas acumulados. Vem justamente desse período de forte instabilidade emocional o estímulo para as canções deWe’ve Been Going About This All Wrong (2022, Jagjaguwar). Um dos registros mais dolorosos já produzidos pela artista de Nova Jersey, o trabalho que conta com co-produção de Daniel Knowles, parceiro de longa data da musicista, concentra o que há de mais característico nas criações de Van Etten. São composições sempre dilacerantes, como um passeio pela mente atormentada e sentimentos da compositora, porém, abertas ao diálogo com o ouvinte, sensibilidade que acaba se refletindo em cada mínimo fragmento do material. Leia o texto completo.

.

Soul Glo
Diaspora Problems (2022, Epitah)

Diaspora Problems (2022, Epitah) é um desses trabalhos que acertam o ouvinte logo na primeira música. Passada a cômica introdução que emula por meio de um bong a vinheta da 20th Century Fox, o vocalista Pierce Jordan questiona aos berros: “Eu posso viver?“. É partindo desse direcionamento angustiado que o grupo, completo pelos músicos Ruben Polo (guitarras), GG (baixo) e TJ Stevenson (bateria), orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. São canções ancoradas em conflitos raciais, críticas ao capitalismo e violências vividas pelos próprios integrantes do grupo original da Filadélfia. Entretanto, para além do evidente aprofundamento político e vivências expostas de forma sempre visceral, sobrevive no humor torto adotado pela banda um importante componente criativo para o fortalecimento de Diaspora Problems. “Olhos abertos e novamente estou inseguro / Olhos abertos e novamente estou no dia 15, vendo 20 policiais correrem em minha direção para proteger um banco“, brinca na descritiva John J, colaboração com Kathryn Edwards e Zula Wildheart, em que reflete de maneira bastante sóbria, ainda que leve e bem-humorada, sobre todas as implicações de ser um homem negro vivendo nos Estados Unidos. Leia o texto completo.

.

Terno Rei
Gêmeos (2022, Balaclava Records)

Longe do repertório enevoado que os integrantes da Terno Rei haviam testado no introdutório Vigília (2014), Violeta (2019), terceiro álbum de estúdio do grupo paulistano, não apenas serviu para estreitar a relação do quarteto com a música pop, conceito iniciado durante a produção de Essa Noite Bateu Com Um Sonho (2016), como aproximou o som produzido pela banda de uma parcela ainda maior do público. Utilizando de uma linguagem deliciosamente acessível e nostálgica, Ale Sater (voz e baixo), Bruno Paschoal (guitarra), Greg Vinha (guitarra) e Luis Cardoso (bateria) fizeram dos próprios sentimentos um importante componente de diálogo com o ouvinte, estímulo para a construção de faixas como Solidão de Volta e Yoko. É partindo desse mesmo direcionamento estético que o grupo abre passagem para o quarto registro de inéditas da carreira. Com o título representativo de Gêmeos (2022, Balaclava Records), o álbum que mais uma vez conta com produção de Amadeus De Marchi, Gustavo Schirmer e Janluska, utiliza de uma série de conceitos bastante característicos da banda, como a forte vulnerabilidade dos versos, mas que se permite provar de novas experiências, medos e inquietações. São canções que tratam sobre as angústias vividas durante o período de isolamento social, mesmo pontuadas por momentos de maior otimismo e celebração. Leia o texto completo.

.

The Smile
A Light for Attracting Attention (2022, XL)

De tempos em tempos, Thom Yorke costuma se distanciar das criações do Radiohead para mergulhar em um novo registro em carreira solo ou mesmo abraçar diferentes projetos paralelos. Entretanto, ao investir no colaborativo The Smile, o cantor e compositor britânico decidiu manter a relação com a antiga banda, pelo menos em partes, estreitando a relação com o velho parceiro, o multi-instrumentista e compositor Jonny Greenwood. O resultado desse processo, que ainda conta com a presença do baterista Tom Skinner, integrante do Sons of Kemet, um dos coletivos de jazz mais importantes da cena inglesa, está nas canções de A Light for Attracting Attention (2022, XL), primeira e bem-sucedida empreitada assumida pelo trio. Com produção assinada pelo experiente Nigel Godrich (Paul McCartney, Arcade Fire), “sexto membro” do Radiohead, o trabalho inaugurado pela crescenteThe Same, com seus sintetizadores e costuras eletrônicas, segue exatamente de onde Yorke parou há três anos, durante a montagem do último álbum em carreira solo, ANIMA (2019). São inserções minuciosas, texturas e sobreposições que, pouco a pouco, ampliam os horizontes do trio. É como um campo aberto às possibilidades, estrutura reforçada com a chegada da música seguinte,The Opposite, faixa que destaca o uso dos instrumentos e a presença de Greenwood, convidando o ouvinte a se perder em um labirinto de sons e efeitos pouco usuais, sempre imprevisíveis. Leia o texto completo.

.

The Weeknd
Dawn FM (2022, XO / Republic)

Em outubro de 2020, poucos meses depois de trabalhar na produção do bem-recebido After Hours (2020), de The Weeknd, Daniel Lopatin decidiu investir em um novo registro de inéditas como Oneohtrix Point Never, identidade assumida desde o início dos anos 2000. Durante o processo de criação do material, o produtor de Wayland, Massachusetts, encontrou em antigas estações de rádio da década de 1980 o estímulo para a formação de um repertório tão misterioso quanto hipnótico, conceito que se reflete em parte expressiva das composições de Magic Oneohtrix Point Never (2020), obra em que estreita a relação com Caroline Polachek (Long Road Home), Arca (Shifting) e o próprio Abel Tesfaye (No Nightmares). Embora siga por um caminho completamente distinto em relação ao material entregue em Dawn FM (2022, XO / Republic), quinto e mais recente trabalho de estúdio de The Weeknd, difícil não pensar nas canções de Oneohtrix Point Never como um esboço para o som incorporado pelo cantor e compositor canadense. Do uso caricatural dos sintetizadores às vinhetas que se completam pela inusitada participação do ator e comediante Jim Carrey, vizinho do artista, tudo contribui para o ambiente nostálgico e conceitual do registro. Entretanto, enquanto Lopatin segue no que parece ser uma estação de rádio pirata, talvez captada de algum universo paralelo, Tesfaye investe no que há de mais pop e convidativo em uma obra do gênero. Leia o texto completo.

.

Tim Bernardes
Mil Coisas Invisíveis (2022, Coala Records / Psychic Hotline)

Ouvir as canções de Mil Coisas Invisíveis (2022, Coala Records / Psychic Hotline), segundo álbum de Tim Bernardes em carreira solo, é como folhear as páginas de um livro. São versos autobiográficos, por vezes descritivos, longos e difíceis, como se estruturados para serem desvendados pelo ouvinte. O próprio cantor e compositor paulistano me confidenciou em entrevista que muito do processo de criação da material se assemelhou ao lançamento de um livro. Fragmentos textuais que parecem dançar pelo tempo, como em uma antologia de reminiscências empoeiradas e memórias de um passado ainda recente, remontando experiências sentimentais vividas pelo artista desde o lançamento do disco anterior, Recomeçar (2017). Sobrevive justamente nesse forte aspecto da temporalidade, uso de questões existenciais e reflexões sobre a inevitabilidade da passagem do tempo um estímulo natural para o fortalecimento da obra. É como se o músico seguisse exatamente de onde parou no registro anterior, porém, livre da linearidade expressa nas canções de Recomeçar e do próprio Atrás / Além (2019), último álbum de estúdio com os parceiros da banda O Terno. “Nascer outra vez bem no meio da vida“, detalha na introdutória Nascer, Viver, Morrer, composição que sintetiza parte dos temas e inquietações exploradas pelo artista ao longo do trabalho. Leia o texto completo.

.

Walfredo Em Busca da Simbiose
Self (2022, Balaclava Records)

Self (2022, Balaclava Records) é um disco que começa pequeno, cresce e sutilmente transporta o ouvinte para um mundo mágico. Segundo e mais recente trabalho de estúdio de Walfredo em Busca da Simbiose, o álbum estabelece nas inquietações vividas pelo multi-instrumentista, cantor, compositor e produtor Lou Alves um estímulo natural para construção dos versos. São composições que partem das experiências meditativas e delírios lisérgicos detalhados durante o período de isolamento social, como a passagem para um cenário de formas mutáveis, encontros passageiros, memórias e ambientações sempre enevoadas. Não por acaso, ao inaugurar o disco com O Som dos Golfinhos, Alves faz da composição um verdadeiro convite para que o ouvinte mergulhe de cabeça no trabalho. “Eu vou te levar comigo“, reforça. São versos sempre acolhedores, estrutura que dialoga de forma bastante sensível com a fina tapeçaria instrumental que serve de complemento ao registro. Um precioso cruzamento entre guitarras carregadas de efeitos, reverberações nostálgicas e batidas trabalhadas de maneira precisa, refinamento que se completa pela participação dos músicos Anami Fernandes (bateria), Eric Woepl (sintetizadores) e Uiu Lopes (baixo). Leia o texto completo.

.

Xênia França
Em Nome da Estrela (2022, Independente)

Passado, presente e futuro se encontram nas canções de Em Nome da Estrela (2022, Independente). Mais recente trabalho de inéditas de Xênia França, o sucessor do introdutório Xenia (2017), lançado há cinco anos, traz de volta uma série de conceitos marcados pelas vivências da cantora e compositora baiana como mulher negra, porém, se permite provar de diferentes possibilidades em estúdio e apontar para novas direções criativas. São composições marcadas pela temática da ancestralidade, mas que em nenhum momento deixam de trilhar um caminho cintilante, abrindo passagem para o que ainda está por vir. Perfeita representação desse resultado acontece na sequência de abertura do trabalho. Enquanto Renascer, revelada há poucas semanas, parte de uma abordagem existencialista e totalmente particular (“Rezo preces na solidão / Pra seguir o meu coração / E deixar curar / Me encontrar no fundo da alma“), com a chega deInterstelar, logo em sequência, a artista amplia consideravelmente os limites da própria obra e investe em um repertório marcado pelo aspecto transcendental. “A chave sagrada / O evento desdobra o tempo interstelar / O salto do quinto elemento / Viaja no prisma do olho solar“, detalha França. Leia o texto completo.

.

Yeule
Glitch Princess (2022, Bayonet Records)

Mesmo que Nat Ćmiel tenha feito de Serotonin II (2019) o primeiro trabalho em carreira solo, difícil não pensar em Glitch Princess (2022, Bayonet Records) como um precioso exercício de reapresentação. Segundo e mais recente álbum de estúdio da cantora, compositora e produtora de Singapura sob o título de Yeule, o registro preserva a essência do material que o antecede, com suas ambientações inebriantes e texturas eletrônicas, porém, amplia de forma significativa tudo aquilo que a musicista residente em Londres tem produzido desde as primeiras músicas e experimentos concebidos dentro do próprio quarto. Não por acaso, a cantora utiliza da música de abertura, My Name is Nat Ćmiel, como um delicado cartão de visita. “Meu nome é Nat Ćmiel, eu tenho 22 anos… Eu gosto de texturas bonitas no som. Eu gosto do jeito que algumas músicas me fazem sentir“, detalha em meio a ambientações etéreas, ruídos e sobreposições sutis que apontam a direção seguida durante toda a execução do trabalho. É como se a artista, acompanhada em momentos estratégicos pelo produtor Danny L Harle (Caroline Polachek, Carly Rae Jepsen), testasse os próprios limites dentro de estúdio, proposta que faz de cada composição uma verdadeira surpresa. Leia o texto completo.

.

O post Os Melhores Discos De 2022 (Até Agora) apareceu primeiro em Música Instantânea.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 43

Latest Images

Trending Articles





Latest Images